Passados praticamente dois anos em que o foco da maioria dos brasileiros se voltou apenas à sobrevivência, o momento agora é de respirar fundo, olhar para frente e concentrar esforços na recuperação econômica. O país precisa voltar a ser próspero para todos para que, assim, possamos reduzir o abismo da desigualdade social, aprofundado cruelmente durante a pandemia da Covid-19.
E, a partir dos caminhos que começam a resplandecer diante da escuridão em que fomos colocados, é preciso agir com sapiência para que a ansiedade não nos faça apostar em um desenvolvimento econômico superficial e insustentável. É necessário
cautela. Não podemos permitir que futuras gerações tenham que pagar a conta de remendos malfeitos feitos agora.
Um dos caminhos mais eficazes para um crescimento sadio, a longo prazo, é por meio de grandes investimentos. Acreditar no Brasil é condição básica para qualquer investidor estrangeiro que esteja disposto a trazer recursos para nosso país, oferecendo serviços que beneficiem toda a população. E essa confiança se conquista com regras regulatórias claras e objetivas, ou seja, um marco regulatório eficaz.
Não é tarefa simples. Apesar de significativos avanços institucionais em termos de regulação – como o novo regramento geral das agências reguladoras, a Lei de Liberdade Econômica e a nova lei de Introdução ao Direito Administrativo –, a
pluralidade e a especificidade dos assuntos a serem tratados pelo Estado regulador acaba por prejudicar a estabilidade do ambiente de investimentos.
Levantamento publicado pelo JOTA mostra que, desde 1988, o país já criou mais de 5,8 milhões de normas no acervo regulatório – 166 mil regras em âmbito federal, 1,6 milhão em nível estadual e outras 4 milhões nos municípios. Cada agência reguladora tem procedimentos e normas diferentes porque os temas são incomparáveis, e é extremamente complexa a construção de um marco legal que consiga tratar temas tão diversos de forma linear.
Uma legislação tão esparsa dificulta uma real e efetiva aplicação. Precisamos de um aparato regulatório eficaz, claro e forte. O investidor, quando decide ingressar em alguma atividade econômica nacional – precisa ter a segurança de que as regras do jogo serão as mesmas durante todos os anos de operação.
A necessidade do aprimoramento do modelo de regulação brasileiro foi tema de recente debate no IX Fórum Jurídico de Lisboa, em novembro deste ano. No encontro, especialistas, advogados e representantes do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) falaram sobre o tamanho deste desafio, os avanços
conquistados até agora e os caminhos para o aperfeiçoamento dos mecanismos de gestão pública, de fortalecimento das agências reguladoras e da capacidade de resposta às novas demandas que surgem a cada dia na sociedade.
Além da multiplicidade de temas regulatórios, o excesso de judicialização tem contribuído para emperrar o ambiente de negócios. Em uma análise feita com quase 1.400 casos de revisão judicial de decisões das agências regulatórias, o Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) identificou que os tribunais superiores decidiram, em mais de 80% deles, a favor das agências. E, em muitas das decisões, os julgadores se mostram receosos de enfrentar o mérito das matérias por causa do caráter técnico. A insegurança torna o cenário ainda mais instável, que acaba ancorado em liminares e decisões passíveis de revisão a qualquer momento.
Certamente, o poder Judiciário tem a obrigação de analisar casos em que ilegalidades e abusos possam ter sido cometidos, mas, em temas estritamente técnicos, as próprias agências reguladoras possuem corpo técnico qualificado para atenderem demandas específicas. Se a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por exemplo, entende que determinado medicamento atende aos critérios para ser disponibilizado no mercado, não cabe ao Judiciário interferir no mérito da decisão porque falta aprofundamento técnico. Pela segurança jurídica, em questão meritória, a autonomia das autarquias precisa ser respeitada.
Devido a peculiaridades econômicas e políticas, o Brasil depende ainda mais de marco regulatório eficaz, e as agências regulatórias têm papel fundamental. As autarquias precisam ser independentes e fortes para atrair a confiança do investidor.
Em contrapartida, o Legislativo e o Executivo precisam garantir mecanismos eficazes de controle externo e social das agências.
Esse processo passa pelo Congresso Nacional, a partir de uma legislação clara, definindo o papel dos reguladores e com benefício direto ao público interessado. Quem é de fato afetado merece ter voz nos processos decisórios das agências. Canais precisam ser criados para uma ampla participação da sociedade civil nos processos. Só com transparência e participação dos mais diversos setores nas decisões regulatórias, o Brasil conseguirá superar os enormes desafios que estão colocados no presente e evoluir com planejamento e seriedade para também garantir a solução dos problemas no futuro.
VICENTE MARTINS PRATA BRAGA – Presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do DF (Anape), advogado, procurador do Estado do Ceará e doutor em Direito Processual Civil pela USP
Publicado em Jota