Pegando carona no mar, Petronio Souto não mergulha nas redes sociais

Kubitschek Pinheiro

Nas caminhadas com o jornalista Petronio Souto, o aprendizado é dividido meio a meio. Ele sabe das coisas e vibra com outras. Ele disse que a rotina do jornalismo limita os horizontes intelectuais do jornalista. Está certo. São poucos jornalistas que mantém o habito de leitura.

Petronio Souto fez seu nome desde quando foi repórter, e como jornalista não se aposenta, morre grudado na notícia não essa notícia banal, replicada pelos blogueiros que tem em suas telas um banner do governo e das prefeituras. Embora fora do mercado, ele bateu em retirada, mas sabe o que quer, um homem atual, mesmo sem ter celular, WhatsApp e Instagram. Petronio sabe que essas redes são infernais.

Petronio é viciado nos assuntos globais, sabe de música, literatura e é apaixonado por fotografias. Ele vive a chamada liberdade de querer, oposta aqueles que acham que fazem a notícia sem apurar os fatos.

Sua temporada no rádio foi intensa, a voz dele ecoa e não se encaixa no que os caretas costumam dizer, que quem não aparece, não é lembrado, não tem como esquecer Petronio.

Petrônio Souto tem 74 anos, pai de quatro mulheres, foi repórter e redator do Serviço Central de Divulgação da Secretaria de Divulgação e Turismo (atual SecomPB) e Assessor de Imprensa da Presidência da Assembleia Legislativa da Paraíba.

Trabalhou também nos jornais impressos A União, O Norte, Correio da Paraíba, O Momento e no tabloide Gente ( de Gerardo Rabello); nas rádios Arapuan, Sanhauá, Tabajara e O Norte; nas TVs Cabo Branco, Correio e O Norte, e nas revistas A Carta (de Josélio Gondim), EmDia ( de Guy Joseph e Goretti Zenaide) e A Semana, de Neno Rabello.

Em entrevista ao Espaço K do MaisPB, Petronio que não concede entrevista, fala da vida, da morte, dso amigos, das filhas, das barracas podres da orla do Cabo Branco e Tambaú, e dos escombros do centro da cidade, do que foi e deixou de ser.

MaisPB – Há muito tempo você deixou o Centro da cidade para morar na orla e isso só lhe fez bem – o mar à sua frente, as caminhadas e novas amizades, amizades antigas. Vamos começar por aqui?

Petronio Souto – Troquei o Centro pela praia há quase 20 anos. Minha vida mudou para melhor, claro, até porque, no Centro, eu me sentia no meio dos escombros do meu passado. Isso me deixava triste, o que chegava a abalar minha saúde.

MaisPB  – Outro dia você me falou que tinha vindo ao Centro da cidade e viu os horrores da destruição do Centro Histórico, muitas lojas fechadas, o casario em ruínas. É muito triste ver a cidade assim, não é?

Petronio Souto  – Sou garoto da Rua da República, Rua da Areia, Conselheiro Henriques (perto da Catedral) e do bairro do Rogers. Ando pelo Centro como quem caminha sobre as ruínas do meu passado. Esse é o mal dos nascidos e criados em João Pessoa. Me abato, mas compreendo: a fragilidade econômica da sociedade, a ignorância poderosa e a corrupção destroem cidades e homens. A cidade de hoje exibe a confusão estética que reflete a confusão social e política em que vivemos.

MaisPB – Vamos fazer o caminho de volta. Você começou a trabalhar em banco, depois no cartório do seu tio, para depois se tornar procurador do Estado. Como se deu a chegada ao jornalismo?

Petronio Souto  – Meu primeiro emprego foi no Banco da Bahia (comprado pelo Bradesco), onde conheci um grande colega de trabalho que se tornou um grande amigo — o tabelião Germano Toscano de Brito. Depois fui trabalhar no cartório do meu tio. Acho que foi a rotina do trabalho no banco e no cartório que me empurrou para o jornalismo, onde entrei pela mão do jornalista e marqueteiro Noaldo Dantas, de saudosa memória. Não digo que me desencantei, mas depois de um tempo constatei que o jornalismo também tem a sua rotina, que de certa forma limita os horizontes intelectuais do jornalista. Mas foi bom porque tive que viver conciliando o “juridiquês” com o “jornalistês”, o que acabou sendo um jogo divertido.

MaisPB – Aliás, você nunca deixou de ser jornalista; sua atuação anterior é um marco, seu diálogo é puro jornalismo. Você faz parte daqueles profissionais que fizeram seus nomes. Poderíamos falar da sua temporada no rádio?

Petronio Souto  – Dediquei parte de minha vida de jornalista ao batente diário no rádio. Nesse período, passava cerca de cinco horas por dia usando os microfones de importante emissora de rádio da Capital, a extinta Rádio Arapuan AM – 1.340 KHz. Apresentava dois programas diários: “João Pessoa, Bom Dia”, das 5h às 8h, e “Jogo Aberto”, das 12h às 14h. Por dever de ofício, era obrigado a comentar (e a me posicionar publicamente) a respeito dos mais variados assuntos. Da falta de água nas torneiras à falta de vergonha das autoridades. Era uma figura polêmica, com alguma notoriedade na província, consequência da minha diária hiperexposição pública. Fazia isso sem computador, sem contar com nenhuma espécie de produção, o que seria impossível hoje. Nos dias atuais, no mínimo, seria uma tremenda aventura. Jamais repetiria aquilo. Confesso que aquela “centrífuga” em que me vi mergulhado não casava com a minha natureza. Era um sofrimento. Mas valeu.

MaisPB – Um dia você disse que escutou uma conversa meio reservada de seu pai com sua mãe, tratando das dificuldades do dia a dia, e logo em seguida eles estavam dançando ao som de “A Pérola e o Rubi”. Já não existe mais tempo para se superar os obstáculos da vida com o poder da música, né?

Petronio Souto  – A música é uma coisa divina. A música, como a filosofia, tem o poder de serenar as tempestades da alma. Meus pais gostavam muito de música. Toda minha memória musical vem do rádio e da radiola de meu pai.

MaisPB  – Uma das realizações da sua vida – dois casamentos – é ser pai de quatro filhas. É tão bom, tão belo ser pai, mas é uma responsabilidade para o resto da vida, não?

Petronio Souto  – Se você tem filhos no casamento, nunca se separa da mãe deles. Os filhos têm essa virtude – não deixam os pais se separarem. Pelo menos foi o que ocorreu comigo, graças a Deus.

MaisPB – E as quadrinhas, será que vão virar livro?

Petronio Souto  – As quadrinhas nasceram da necessidade de exercitar o cérebro. Não sei se prestam ou não. Quem diz que uma obra presta é o leitor, não o autor. Mas foram apreciadas por três críticos respeitáveis: Chico Viana, Neide Medeiros e Helder Pinheiro. Ainda não foram publicadas porque estou juntando os trocados para imprimir. Vão virar livro, sim, mas com edição do autor.

MaisPB – Você tem uma vasta coleção virtual de fotografias antigas – da cidade, de pessoas – que são uma raridade, e está sempre publicando no Facebook. Existe o feedback, a interação?

Petronio Souto  – Ah, sim, há vários anos que só faço isso na minha única rede social – o Facebook. Se não houvesse a interação com os amigos e seguidores do Facebook, não me sentiria animado para continuar. Faz muito tempo que só faço isso. Tenho milhares de amigos e seguidores. Sinal de que o trabalho agrada.

MaisPB  – Você mantém uma resistência a outras redes sociais e só teve um celular durante uma semana, depois não quis mais. Pensa em voltar atrás ou deixa quieto?

Petronio Souto – Não tenho smartphone. Celular é para quem quer e precisa ser localizado rapidamente. Não é mais o meu caso. Além do que, tenho uma deficiência visual que não me permite o uso do aparelho. Se tivesse um celular, teria que ter alguém para manuseá-lo. Acho que vou morrer sem utilizar esse importante equipamento. Reconheço sua importância no mundo de hoje, mas não tenho condições de utilizá-lo.

MaisPB – Já perdemos Walter Galvão, Marcos Tavares (que encontrávamos na calçada da praia à tardinha), Martinho Moreira, Milton Nóbrega, Juca Pontes, gente de sua geração, do nosso tempo.  Estamos preparados para tantas perdas?

Petronio Souto  – Já dizia Drummond que “o problema da velhice é que você acompanha, numa cadência lenta e fria, o desmoronamento do seu mundo”. São ídolos, amigos, amores, lugares, situações que desaparecem e vão deixando a vida cada vez menos interessante. Daí o “olhar perdido” dos velhos, que não encontram alguém sequer para tirar uma pequena dúvida a respeito de algo do seu tempo.

Mais – Eu sei que você não acredita em Deus, mas tem medo da morte?

Petronio Souto  – Não acredito no Deus incensado pelas instituições religiosas. Todo indivíduo, mesmo aquele se se diz ateu, carrega um Deus no seu coração. Deus ganha corpo exatamente no momento em que o sujeito se acha encurralado, desamparado, sem ter para quem apelar, não é? Não tenho medo da morte. Tenho medo de perder a vida que levo.

MaisPB – Petronio, você caminha todos os dias, pela manhã e à tarde.  É comum encontramos esgotos estourados nas barracas, com mau cheiro, uma desorganização geral. Lembro que esses quiosques foram implantados na gestão do prefeito Carneiro Arnaud. É pra rir ou pra chorar?

Petronio Souto  – O sujeito que teve a infeliz ideia de botar esses quiosques nas praias de Tambaú e Cabo Branco detesta o mar. Veja: com o estacionamento de veículos do lado da calçadinha (apesar da ciclovia) e o paredão formado pelas “ilhas” de quiosques, quem passa de automóvel ou de ônibus, ou mesmo quem caminha na calçada, não consegue enxergar direito a grande estrela do local – o mar. Ao contrário do que acontece em todo lugar do mundo, optamos por esconder o mar, a maior atração da orla, exatamente o que temos de mais precioso para mostrar ao turista. Pode observar: há duas praias no trecho entre o antigo Largo da Gameleira e o final da Avenida Cabo Branco. Uma, nem pode ser chamada de praia, é a imagem do caos, cheia de obstáculos e corpos estranhos de toda espécie, barulho e sujeira. A outra, completamente diferente, vai da Fundação Casa de José Américo ao pequeno girador do final da Avenida Cabo Branco: mar, areias brancas, coqueiros e tranquilidade, apesar das pedras alienígenas que colocaram recentemente. Como parece não haver fiscalização da Prefeitura há muito tempo, na área dos quiosques, nossa maior atração turística está horrível, um verdadeiro “favelão”, parece o antigo mercado central em seus piores dias.

 MaisPB – Vamos caminhar hoje, Petrônio?

Petronio Souto  – Vamos.